Levantamento em Sorocaba (SP) mostra que número de ‘minicracolândias’ aumentou de 10 para 49 em quatro anos. Prefeitura diz que aplica ações constantes de prevenção a dependentes.
Eu me prostituí e engravidei. Estou de oito meses e não vou ficar com o bebê. Tenho medo de como a minha família vai me tratar, por eu ser homossexual. A prostituição foi a saída que eu encontrei para poder comprar droga sem ter que roubar”. O testemunho é de uma mulher de 28 anos, entre dezenas de usuários de drogas espalhados por “acampamentos” apelidados de “minicracolândias” em Sorocaba (SP).
Na cidade com população estimada de 659.871 pessoas em 2017, segundo o IBGE, dois levantamentos – um da Comissão de Dependentes Químicos da Câmara Municipal e outro da Coordenadoria de Política Pública sobre Drogas, da Secretaria de Igualdade e Assistência Social (SIAS) – identificaram 49 desses pontos.
O número é quase cinco vezes maior do que no estudo realizado pela comissão em 2013, que identificou a existência de 10 áreas usadas por viciados em crack.
O G1 visitou algumas dessas áreas em diferentes regiões do município. Em todos, um cenário parecido: movimentação constante de pessoas, lixo espalhado por todo lado, pertences amontoados. Os usuários de crack são facilmente identificados pelos corpos sujos e os rostos abatidos por conta da droga.
Em um desses lugares, o terreno baldio com duas construções inacabadas no bairro Júlio de Mesquita se transformou no que os usuários chamam de “lar”. Segundo um frequentador, cerca de 15 pessoas improvisam o que têm e aproveitam o local para dormir e se drogar.
Durante a visita do G1, algumas jovens deixam a área com roupas mínimas. Um morador do “acampamento” logo avisa que elas vão se prostituir. “Elas fazem programas na rua de cima. Tem uns velhos lá que pagam por sexo”, explica.
‘Não vou ficar com o bebê’
Segundo a prefeitura de Sorocaba, a cidade conta com dois Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS), que prestam atendimento aos usuários de entorpecentes que tentam se livrar do vício.
Entre as assistidas está Leandra (nome fictício), uma grávida de 28 anos que usa crack há pelo menos 10. Ao G1, ela conta que procurou ajuda no CAPS após ser espancada por um grupo de pessoas no centro da cidade, em agosto. Ela dormia quando foi surpreendida na madrugada com socos e chutes.
“Quem mora na rua tem que ficar acordado 24 horas. Os rapazes bateram em vários moradores de rua e perceberam quando eu fui levantar. Foi quando veio a multidão e só deu tempo de proteger a barriga”, lembra Leandra sobre o que a levou a abandonar as ruas.
Após sair de casa e se afastar da mãe e dos irmãos, ela começou a se prostituir, fazendo programas por até R$ 40. “Eu ficava na rua, os carros passavam, paravam e eu dizia quanto era. Por causa de pouca coisa a gente sai”, recorda.
Foi em um desses programas que ela acabou engravidando. “Não sei se é menino ou menina. Tenho pra mim que é menina, mas não vou ficar com ela e sei que Deus vai dar uma família boa, ela vai ser feliz onde estiver. Eu não tenho condições e só me prostituí para não roubar os outros.”
Leandra conta que o vício começou aos 18 anos, quando recebeu o convite despretensioso de uma amiga para fumar maconha. “‘Experimenta, só um pouquinho’. Quando eu fui ver, não estava mais fazendo efeito e fui aumentando a quantidade, até partir para o crack. Minha vida era normal. Sempre trabalhei, terminei a escola e fiz vários cursos.”
Aos poucos, os amigos se afastaram, Leandra perdeu o emprego e a abstinência só cresceu. Com os primeiros sintomas da falta da droga, o convívio com a família ficou difícil e ela deixou a casa onde morava com a mãe e os irmãos, que não sabem sobre sua atual localização e nem sobre a gravidez.
‘É uma doença’
Na “minicracolândia” do bairro Júlio de Mesquita, na zona oeste, a reportagem conheceu Valéria* (nome fictício), de 28 anos, que estava no local para visitar o irmão, também viciado. Diferentemente das outras usuárias, ela está maquiada e bem vestida, com uma barriga protuberante que anuncia a gestação de três meses.
Não é só a aparência que a diferencia dos outros dependentes. Ao contrário da maioria, Valéria tem marido, três filhos, uma casa. Mas isso não a impede de abandonar o lar por dois dias só para se drogar. “Tenho minha casa e minha família. Tenho tudo, mas eu não gosto de usar droga perto dos meus filhos, do meu marido. Deixei eles com a avó para ficar aqui. Meu pessoal deve estar louco comigo, estou aqui e ninguém sabe”, revela.
Usuária desde os 12 anos, a voz tremula apenas em relembrar as tensões causadas pelo vício. Valéria conta que já traficou drogas e foi até considerada suspeita de atacar um idoso na rua, o que nega. “Me acusaram de dar uma facada em um senhor por causa de R$ 70. Quase morri, acordei com um revólver na minha cara, me confundiram”, garante.
Valéria conta que passa um dia em casa, e outros vários na rua. Neste ciclo conturbado conheceu o rapaz com quem mora há menos de um ano, pai do quarto filho.
“Quero parar [de usar droga], criar esse bebê que vai nascer com o meu marido, ter uma vida. Meu filho não tem nada a ver com meu vício e tenho que me esforçar um pouco. É difícil, é uma doença. 17 anos não são 17 dias. Essa gravidez é tudo que meu marido mais queria. Ele me trata como se fosse uma boneca”, conta, aos prantos.
Vício em casal
Dentro de um cômodo escuro, sem portas e com entrada para o terreno cheio de lixo, a reportagem do G1 encontrou um casal que ainda se recuperava dos efeitos do crack usado durante a madrugada.
Casados há três anos, eles contam que se conheceram ainda crianças, embora o relacionamento tenha surgido há pouco tempo. “A gente fica dez ou quinze dias na rua e volta depois para casa”, conta a esposa, de 32 anos.
Além de fazer uso de entorpecentes, os dois também chegaram a traficar, mas a carreira não durou muito tempo. “Começamos a vender para aumentar a renda, só de manhã. Depois, era o dia todo, até que nos pegaram”, comenta o rapaz, de 38 anos.
A mulher tem três filhos – o mais velho de 11 anos – todos cuidados pela mãe dela. Questionados sobre como é viver nas “minicracolândias”, logo rebatem que “são diferentes dos outros”.
“Estamos desde 2h sem usar [na ocasião era 12h30]. Nós catamos materiais na rua e vendemos para comer e também comprar drogas. Não somos iguais aos que vivem aqui, porque trabalhamos, fazemos dinheiro e ainda comemos. O resto da turma aqui só corre atrás de droga mesmo”, afirma o homem.
Prevenção
Inúmeros são os motivos que levam pessoas às drogas. Para a psicóloga Beatriz Bessornia, os fatores mais comuns são problemas familiares. “Com os jovens há muitos casos de pais separados. Também nessa faixa etária crianças e adolescentes buscam a aceitação em grupos e acabam usando drogas”, explica.
A situação com adultos não é diferente. Para a profissional, problemas no trabalho e conjugais podem servir de passagem para o mundo dos entorpecentes.
“O apoio emocional é essencial para retirar alguém das drogas e, para prevenir, não se pode mais apenas abordar simplesmente que a droga é algo ruim. A informação tem que ser consciente, explicar os efeitos. Isso deve ser aplicado principalmente em casa, as famílias devem conversar mais com o jovens. Tem que ouvir e informá-los”, aconselha.
Em Sorocaba, ações de prevenção e combate vão desde rondas policiais nas ruas até trabalhos educativos nas escolas. Segundo a Polícia Militar, a corporação realiza rondas em locais marcados pelo movimento de traficantes de forma frequente. Com isso, apreensões e prisões são efetuadas quase que diariamente.
Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo mostram que neste ano já foram registradas 1.506 ocorrências de porte de entorpecentes na cidade. Só em agosto foram 202. No mesmo período do ano passado foram 192. Com relação ao tráfico foram 2.315 ocorrências até agora e 304 em agosto, em 2016 foram 295.
Mapeamento
O mapeamento das “minicracolândias” é importante para desenvolver estratégias de ação para prestar atendimento aos dependentes químicos.
A Secretaria de Assistência Social diz que faz atendimento dos viciados em cada um desses locais e recomenda a eles o encaminhamento aos Caps. Mas o tratamento não é levado adiante pela maioria deles.
Em uma dessas unidades, de 2770 pacientes inscritos, apenas 797 são ativos, ou seja, frequentam o lugar com regularidade.
O presidente da Câmara, Rodrigo Manga – ex-usuário de drogas e que está à frente da comissão responsável por pesquisar as aglomerações –, defende a internação compulsória dos dependentes. Segundo ele, a tendência é que a situação piore e que o número de “minicracolândias” aumente na cidade.
“No auge, o indivíduo não quer tratamento. Não tem discernimento. O ideal seria que tivesse uma clínica de desintoxicação, onde a pessoa fica de forma involuntária. Depois que passar o desespero, é oferecido tratamento voluntário que completa o tratamento”, opina.
Atualmente não existe em Sorocaba uma clínica para o acolhimento e tratamento, como a implantada, por exemplo, em Botucatu.
Ainda dentro das ações de prevenção ao vício, a Coordenadoria de Política Pública sobre Drogas afirma que vai realizar cursos de capacitação sobre uso, abuso e dependência de entorpecentes para funcionários das secretarias e de ONGs envolvidas na causa.
O presidente da Câmara, Rodrigo Manga – ex-usuário de drogas e que está à frente da comissão responsável por pesquisar as aglomerações –, defende a internação compulsória dos dependentes. Segundo ele, a tendência é que a situação piore e que o número de “minicracolândias” aumente na cidade.
“No auge, o indivíduo não quer tratamento. Não tem discernimento. O ideal seria que tivesse uma clínica de desintoxicação, onde a pessoa fica de forma involuntária. Depois que passar o desespero, é oferecido tratamento voluntário que completa o tratamento”, opina.
Atualmente não existe em Sorocaba uma clínica para o acolhimento e tratamento, como a implantada, por exemplo, em Botucatu.
Ainda dentro das ações de prevenção ao vício, a Coordenadoria de Política Pública sobre Drogas afirma que vai realizar cursos de capacitação sobre uso, abuso e dependência de entorpecentes para funcionários das secretarias e de ONGs envolvidas na causa.
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