O Enem, realizado em todo o país nos dias 24 e 25 de outubro, levantou polêmica pela inclusão de temas considerados feministaspelos candidatos, em especial por uma citação da escritora Simone de Beauvoir e a frase de que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. O tema da redação também chamou a atenção, ao abordar a persistência da violência contra a mulher. Quase um ano antes, em entrevista ao programa Entre o Céu e a Terra, da TV Brasil, a filósofa Marcia Tiburi tratou sobre a relação entre homem e mulher ao longo da História e a construção cultural em torno do feminino. “É muito fácil falar que o feminismo é ultrapassado. As pessoas adoram falar isso porque adoram odiar o feminismo, porque ele é revolucionário. Todos os conservadores vão odiar o feminismo. Ele é para aquelas pessoas que gostam de transformações sociais, de mudanças”.
“A marca fundamental da cultura que a gente conhece é o patriarcado, a produção por parte dos homens daquilo que se chama mulher”, disse a autora, citando o livro “O Segundo Sexo”, lançado em 1949 por Simone de Beauvoir que apontava a relegação da mulher a uma posição secundária na sociedade. O livro foi referência dos movimentos feministas nos anos 1960 e 70, que estão presentes ainda hoje, defendendo a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Para Marcia, apesar dos avanços alcançados pela sociedade. “do ponto de vista dos direitos, é claro que homens e mulheres não têm direitos iguais. Podemos medir o machismo nas nossas relações mais cotidianas, marcadas pela vigência dessa diferença entre homens e mulheres, que não é uma diferença natural, mas cultural”. A autora fala ainda sobre a importância do feminismo nos dias de hoje.
As mulheres só ganharam o direito de ir às escolas brasileiras em 1827, mas o de entrar na faculdade veio apenas em 1879, enquanto o voto feminino foi alcançado mais de meio século depois, em 1932. Até 1962, ano da aprovação do Estatuto da Mulher Casada, a mulher era considerada civilmente incapaz e não tinha o direito legal de trabalhar sem autorização do marido, receber herança ou pedir a guarda dos filhos em caso de separação. Mesmo assim, a igualdade de direitos entre gêneros foi garantida apenas com a Constituição de 1988. Para Marcia Tiburi, a luta pelos direitos da mulher foi fundamental para essas conquistas. “As mulheres que hoje são médicas, advogadas, administradoras de empresas, que simplesmente podem ir e vir, que têm o direito de se divorciar, não sabem o quanto devem ao feminismo”.
Os tabus relacionados ao sexo e as imposições a que homens e mulheres são submetidos também entraram em pauta. “O sexo se tornou uma obrigação, então você tem que transar, do mesmo modo que você tem que ser mãe e que o homem não pode ser broxa e tem que dar cantada. Isso tudo é muito ultrapassado, porque não faz mais sentido na nossa vida. Vivemos uma libertação em relação aos padrões”, disse. Enquanto isso, no outro extremo, o prazer continua sendo considerado algo negativo e motivo de culpa. “A questão seria como a gente se liberta disso, como eu posso olhar para a sexualidade como algo que não me faça mal, como algo que não é esse monstro. Talvez descobrindo que isso foi construído como um demônio, sendo que é uma construção cultural”.
A entrevistada falou também sobre as pressões sociais sobre a vida feminina, como a imposição do casamento e da maternidade. “Essa mulher que não ‘conseguiu’ casar está condenada a não ter existido, ela simplesmente não foi aquilo que devia ser. Pra gente avançar nessa construção chamada casamento a gente deveria primeiro pensar que não precisa casar mais, então se casar foi porque quis”.
Sobre a maternidade, Marcia diz que “é uma potencialidade de várias pessoas. O problema é quando ela se transforma em uma espécie de obrigação moral. Qual é o seu papel na vida? Engravidar, ter filhos, educar os filhos. As mulheres deveriam se colocar essa questão. A maternidade deve ser uma escolha”.
Fonte: EBC