Estudo acompanhou 15 mil mulheres durante 30 anos e verificou um risco 76% maior
A endometriose atinge entre 10% e 15% das mulheres em idade reprodutiva segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e pode levar até dez anos para ser diagnosticada. No Brasil, aproximadamente 6 milhões têm a doença. Muitas delas, no entanto, sequer sabem que têm o problema. Isso por que o sintoma mais comum é a dor da cólica menstrual que, culturalmente, é considerada típica do período menstrual e muitas vezes ignorada como problema de saúde. A endometriose é também a principal causa de infertilidade feminina sendo responsável por 50% dos casos.
Um terceiro aspecto relacionado à endometriose – além de dor e infertilidade – foi apresentado no Encontro Anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, realizado em Lisboa em junho. Pesquisa feita na Escócia com 15 mil mulheres avaliadas entre 1981 e 2010 mostrou que aquelas que têm endometriose apresentaram um risco 76% maior de sofrer aborto espontâneo e a chance triplicada de desenvolver uma gestação fora do útero, também conhecida como gravidez ectópica ou tubária. Os pesquisadores analisaram dois grupos de mulheres, com ou sem endometriose, e naquelas com diagnóstico prévio da doença, foram verificadas ainda uma chance maior de hemorragia pré e pós-parto, além do nascimento prematuro dos bebês.
Apesar de serem números impactantes, o ginecologista e presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Agnaldo Lopes da Silva Filho afirma que a descoberta não deve pautar a decisão de uma mulher em ter ou não um filho já que a gravidez não é considerada de risco. “É uma pesquisa de peso que sinalizou para outras repercussões sobre a endometriose. Os resultados são importantes para que a mulher com a doença seja orientada sobre essas complicações”, afirma.
Tanto é que a atriz Fernanda Machado, diagnosticada com endometriose na época em atuava na novela global Amor à vida, em 2013, e que lutou para realizar o sonho de ser mãe, acaba de dar à luz a Lucca em um parto natural nos Estados Unidos. O garotinho nasceu em 22 de junho.
Entenda a doença
Além de cólicas fortes e dificuldade para engravidar, dor na relação sexual, dores espontâneas na região do útero, desconforto para evacuar (às vezes acompanhada de diarreia) ou para urinar durante o período menstrual também podem ser sinais da doença.
O endométrio é a camada interna do útero que se renova mensalmente pela menstruação. Sua função é preparar o órgão para receber o embrião. Quando a gravidez não acontece, o tecido descama e sai pela vagina: a menstruação. A endometriose consiste na presença de endométrio em locais fora do útero como, por exemplo, na superfície dos órgãos abdominais e nas vísceras pélvicas. Quando o sistema imunológico responsável pela defesa do organismo não consegue eliminar essas células, a doença se estabelece.
Ou seja, quando há endometriose, sempre que a mulher menstrua, o tecido que está fora do útero desenvolve-se e sangra ao mesmo tempo dentro do corpo, provocando inflamação, dor e a formação de tecido cicatricial. Isso faz com que a doença progrida sobre órgãos e tecidos. Em casos graves, as lesões podem ser irreversíveis.
A endometriose não tem cura, mas tem tratamento. Os principais objetivos são aliviar ou reduzir a dor, reverter ou limitar a progressão da doença, preservar ou restaurar a fertilidade e evitar ou adiar a recorrência da doença. O tratamento é sempre individualizado e leva em consideração o desejo da mulher em engravidar e o grau da doença.
Três cirurgias e gravidez de gêmeos
A advogada Tathiane Vieira Viggiano, 40 anos, é um exemplo típico do quanto o diagnóstico da doença não é simples, mas também de esperança para mulheres que sonham em engravidar apesar da endometriose. “Eu sempre senti muita cólica. Hoje, os ginecologistas sabem que sentir dor não é normal, mas há 20 anos, nem todo médico tinha esse conhecimento. Ouvi de muitos que o que sentia era normal e, em toda menstruação, tomava remédio para controlar a dor”, afirma. No entanto, segundo ela, aos 27 anos, a cólica passou a ser insuportável. “Eu chegava a me agachar no chão de tanta dor, já fui parar em hospital para tomar analgésico na veia, mas como era um dia de dor e, no outro, já me sentia melhor, fui relapsa em relação aos sintomas”, narra.
E foi em uma dessas idas a um hospital, depois de suspeitar de apendicite que não foi confirmado por exames, que Tathiane Vieira Viggiano ouviu do gastroenterologista que a atendia que poderia ser endometriose. Era a primeira vez que alguém suspeitava da doença. “Aos 28 anos operei pela primeira vez de endometriose”, conta. Segundo ela, quando a doença foi diagnosticada, já estava no grau 4, o que é considerado grave.
O presidente da SOGIMIG, Agnaldo Lopes da Silva Filho, explica que para as manifestações mais graves da doença a cirurgia é indicada e é feita por videolaparoscopia. Assim, os implantes ou lesões, como são chamados os pedaços do endométrio instalados em outras partes do corpo, são destruídos pela energia do laser, coagulação bipolar (cauterização) ou retirada com instrumento cirúrgico.
Na época em que soube da doença, ter ou não filhos não era uma preocupação da advogada, mas, aos 34 anos, quando passou pela segunda cirurgia para retirar partes do endométrio que estavam aderidos ao intestino, foi avisada pelo médico de que precisava pensar sobre o assunto. “Eu tinha um ano de casamento, não estava nos meus planos engravidar tão cedo, mas começamos a tentar. Não respondi ao tratamento de fertilidade e chegamos até a pensar em partir para óvulos doados”, recorda-se.
Antes disso, no entanto, procurou outro especialista e, no terceiro ano de tratamento, aos 38, engravidou dos gêmeos Ana Luisa e Samuel. Antes disso, aos 37, passou por uma terceira cirurgia de endometriose. A gestação não foi tão simples e Tathiane entrou em trabalho de parto com 26 semanas, os bebês passaram 4 meses na UTI, mas hoje são duas crianças saudáveis aos 2 anos e sete meses.
Em muitos casos, a gravidez pode ser solução para a endometriose, mas não foi o que aconteceu com a advogada que há um mês voltou a sentir dores fortes de cólica menstrual e, segunda ela, pode ter que se submeter a uma quarta cirurgia.
Ainda não se conhece exatamente o porquê de a endometriose se desenvolver, mas é consenso que fatores imunológicos, genéticos e hormonais estão associados ao surgimento da doença. O diagnóstico é feito pela análise do quadro clínico, através da presença dos sintomas da doença, e exames de imagens. Os principais são a ultrassonografia transvaginal e a ressonância magnética.
Segundo a Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva (SBE) cerca de 50% das mulheres com endometriose podem engravidar espontaneamente após o tratamento adequado e a cirurgia por videolaparoscopia pode aumentar as chances de gestação espontânea em mulheres em todos os estágios da doença. Em alguns casos, entretanto, podem ser necessárias técnicas de reprodução
Fonte: Saúde Plena