Aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Michel Temer em julho de 2017, a reforma trabalhista entra em vigor em novembro. Ela modifica 97 artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas, e 7 artigos de outras normas. É a maior mudança do tipo realizada desde 1967.
Entre outras alterações, a lei permite que patrões façam acordos para alterar, caso a caso, 13 pontos que antes eram fixados legalmente, incluindo jornada de trabalho, intervalo para descanso e férias.
Antes, acordos do tipo existiam, mas, caso reduzissem direitos ou ferissem a legislação, poderiam ser contestados na Justiça. A nova lei também permite contratos de trabalho sem jornada definida, algo que anteriormente não era possível.
Há seis itens que estão previstos no processo de reforma, mas ainda precisam ser implementados por medida provisória, que precisa ser assinada pelo presidente. Esse é um compromisso do governo que, segundo o jornal O Globo, pretende negociar e publicar as alterações depois que a lei começar a valer.
Em março, uma outra reforma importante no setor trabalhista havia sido aprovada em uma lei que permite a empresas terceirizar quaisquer atividades, inclusive as centrais para sua atuação –restaurantes podem terceirizar cozinheiros, por exemplo. Esse dispositivo já está em vigor.
O governo afirma que as reformas irão dinamizar a economia e criar novas vagas de emprego. Opositores acreditam que ela não estimulará o mercado de trabalho, e levará à substituição das atuais vagas por outras de pior qualidade.
Entre esses opositores está a Rede Feminista de Juristas, que lançou em agosto uma campanha que inclui um manifesto e a divulgação de conteúdo contrário às mudanças.
A entidade argumenta que, além de realizar alterações que dizem explicitamente respeito a mulheres gestantes ou com filhos pequenos, a reforma tende a prejudicar de forma mais intensa aqueles em pior posição no mercado de trabalho e com menos condições de negociar com os patrões.
Isso inclui as mulheres, que se saem pior em diversos indicadores quando comparadas com homens.
Elas ocupam poucos cargos de comando, ganham menos e têm taxas de desemprego maiores em todas as regiões do país. Muitas recorrem a ocupações frequentemente marcadas por salários baixos e informalidade, como as cerca de 6 milhões de empregadas domésticas do Brasil.
Mulheres negras enfrentam desafios particularmente grandes. O Nexo conversou com duas juristas sobre de que formas elas preveem que a reforma impactará especialmente as mulheres.
Laura Benda é juíza do trabalho e presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia
Tainã Góis é advogada, pós graduanda e membro da Rede Feminista de Juristas
Pontos que já estão aprovados TERCEIRIZAÇÃO Na opinião de Benda, o incentivo legal à terceirização deve afetar mais as mulheres porque ‘a terceirização é própria dos grupos marginalizados. Ela atinge principalmente as mulheres e os negros’.
Ela cita um estudo publicado em março pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), que aponta que empregos de áreas tipicamente terceirizadas, como limpeza e suporte técnico, tendem a ter pior qualidade quando comparados com áreas que costumam contratar funcionários diretame
De cada 100 vínculos ativos em 2014 em áreas que costumam contratar funcionários, 40 foram rompidos até o final do ano. Em áreas que costumam terceirizar os serviços, a proporção foi de 80 rompimentos para 100 vínculos. A duração dos contratos também era menor. Áreas com tendência a terceirização também pagavam em média 27% menos do que as outras. Mulheres terceirizadas tendiam a ter trabalhos com remuneração baixa, enquanto homens tendiam a ter remuneração intermediária.
FLEXIBILIZAÇÃO
A lei criou diversas formas de flexibilização da jornada de trabalho, entre elas uma modalidade de contrato chamada de ‘intermitente’, em que não há jornada fixa. O pagamento é feito ao fim de cada período de prestação de serviços de acordo com o tempo trabalhado. Por exemplo: se ele for um quarto de uma jornada normal, o valor pago também equivale a um quarto da jornada. Esse ponto já foi aprovado. A lei também permite que patrões e funcionários negociem pontos como horário de descanso e horas extras na jornada de trabalho.
Na opinião de Góis, possibilidades de flexibilização impactam mais as mulheres, que estão em pior posição no mercado de trabalho. Elas podem anular, por exemplo, os benefícios estabelecidos pela PEC das Domésticas em 2015, que define jornada de 44 horas semanais para essa profissão, tradicionalmente marcada pela informalidade.
Pontos que precisam ser incluídos via MP
INSALUBRIDADE PARA GESTANTES Um dos pontos da reforma que ainda precisa ser implementado via medida provisória atinge explicitamente mulheres. O governo pretende permitir que gestantes e lactantes trabalhem em locais de insalubridade, como postos de gasolina ou hospitais, se houver autorização do médico. Uma lei de 2016 veta o trabalho de gestantes e lactantes nesse tipo de situação.
Parlamentares mulheres protestaram contra esse ponto na época da aprovação da lei e o governo afirmou que alterará a regra para fazer com que ela se aplique apenas nos casos de insalubridade média ou baixa.
Na avaliação de Laura Brenda, a alteração permite, na prática, que uma questão de saúde seja negociada caso a caso. Mulheres que buscarem atestados médicos determinando afastamento podem ser mal vistas por patrões. ‘A empregada não tem força para certas negociações. Se ela disser ‘meu médico disse que não posso trabalhar nesse emprego’ ela pode perder o emprego.’
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
A atual legislação trabalhista permite que o trabalhador ofendido pelo empregador exija judicialmente indenização pelo dano moral ou existencial causado. A reforma trabalhista pretende manter esse ponto, mas estabelecer um limite ao valor dessa indenização, proporcional ao salário do empregado. Esse é outro ponto que precisa ser implementado por medida provisória.
Segundo Tainã Góis, isso tende a atingir mais mulheres porque ‘elas são as mais afetadas por assédio laboral’. Além disso, como recebem em média menos que os homens, tenderiam a receber indenizações menores pelo assédio. O governo afirmou em julho que pretendia retirar o trecho que vincula indenização a nível salarial.
Fonte: Nexo