As escolas de Volta Redonda, no Sul Fluminense, poderão voltar a debater questões relacionadas a gênero com os alunos. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro conseguiu derrubar, no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RJ), uma lei aprovada pelo Legislativo daquele município que proibia o tema nas salas de aula. A decisão foi proferida na última segunda-feira (17), por maioria de votos.
O caso chegou ao TJ-RJ por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Municipal 5.165, aprovada em junho de 2015, pela Câmara Municipal. A lei vedou “a implantação de política de ideologia de gênero nos estabelecimentos de ensino”. O prefeito vetou a legislação. Contudo, o Legislativo derrubou o veto, e a lei entrou em vigor.
Por meio do seu Núcleo de Diversidade Sexual, a DP-RJ questionou a13 constitucionalidade da lei. No julgamento, o defensor público-geral do Estado, André Castro, sustentou que a lei proibia, na verdade, o assunto “gênero” nas escolas – ou seja, o debate sobre os atributos e significados que, de modo geral, uma sociedade atribui a homens e mulheres.
“O papel masculino de sustentar a família e o feminino de ficar em casa cuidando do lar são, por exemplo, atributos com os quais ninguém nesse plenário concorda. Mas infelizmente ainda estão arraigados e presentes em nossa sociedade. Os comportamentos que se derivam desse padrão, sabemos todos, resulta muitas vezes em violência física e, em muitos casos, até em morte“, sustentou o defensor.
Na sustentação, Castro lembrou ainda “os atributos heterossexuais, que também são majoritários em nossa sociedade” e que, na maior parte das vezes, resultam em preconceito e violência física, “lamentavelmente, desde a escola”, para aqueles que têm orientação diferente.
Segundo o defensor, o Brasil registra o maior número de homicídio de transexuais e travestis do mundo e é um país que “ostenta vergonhosos índices de violência contra a mulher”.
De acordo com ele, o Brasil assumiu diversos compromissos internacionais a fim de reduzir a violência e este rico debate, que tem marcado presença nos plenários dos organismos internacionais, na cena política e jurídica brasileira, nos debates acadêmicos e no dia a dia dos cidadãos, seria transformado em verdadeiro tabu nas salas de aula de Volta Redonda com a permanência da lei.
O relator do caso, desembargador José Carlos Maldonado de Carvalho, votou favoravelmente a inconstitucionalidade da lei. Na avaliação dele, a norma viola os princípios do Estado republicano e laico, sendo incompatível com o pluralismo político. A decisão foi por maioria.
A defensora Lívia Casseres, coordenadora do Núcleo de Diversidade Sexual da DPRJ, destacou a importância da decisão. Na avaliação dela, o resultado do julgamento abre um precedente que torna “clara a inconstitucionalidade de propostas legislativas que busquem aniquilar do âmbito da escola as indispensáveis iniciativas de transformação cultural destinadas à redução da violência real e simbólica contra grupos historicamente discriminados em nossa sociedade“.
“O julgamento representa uma importantíssima tomada de posição do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em prol do princípio republicano, do pluralismo de ideias que é inerente à democracia e ao próprio direito constitucional à educação e, por fim, em defesa do direito fundamental à diferença“, afirmou.
Nações Unidas
Na quinta-feira (13/4), relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) encaminharam ao governo brasileiro documento no qual denunciam iniciativas legislativas no País que buscam proibir o debate, em sala de aula, sobre questões de gênero, religião e sexualidade.
O documento alerta que projetos baseados em diretrizes do programa “Escola Sem Partido” podem representar violações de direitos humanos. Na avaliação dos relatores da ONU, legislações com esse viés irão “restringir o direito do aluno de receber informação” e abrem brechas arbitrárias para interferência nas escolas. O documento – que menciona nota técnica sobre o tema elaborada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) – pede um posicionamento do governo brasileiro sobre a questão. A resposta deve ser encaminhada em até 60 dias.
Leia aqui a íntegra do pedido de inconstitucionalidade da Lei.
Informações da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF). Matéria alterada às 15h do dia 20/04/2017 para correção de informações.
Fonte: Justificando