Em 2019, a Argentina realiza, pela primeira vez na história, eleições paritárias, em que partidos e alianças deverão apresentar o mesmo número de homens e mulheres entre seus candidatos. A nova regra será colocada em prática dia 11 de agosto, nas eleições primárias, que determinarão os candidatos dos partidos, e dia 27 de outubro, nas eleições gerais. Os argentinos escolherão presidente, governadores de quatro províncias (inclusive Buenos Aires), prefeitos, metade da Câmara de Deputados, um terço do Senado, além de integrantes de legislativos provinciais e municipais.
A lei de paridade de gênero em âmbitos de representação política foi aprovada em dezembro de 2017 pelo Congresso e regulamentada em março deste ano. Na lista de candidatos de cada partido (ou aliança) para cargos legislativos nacionais, homens e de mulheres devem aparecer de maneira intercalada e sequencial até completar o total de cargos em disputa – se uma província elege 35 deputados, como a província de Buenos Aires, a lista deve ter 35 candidatos. Na Câmara de Deputados, a quantidade de representantes é proporcional à população de cada província. No Senado, são três parlamentares por província.
Em 1991, o país já havia aprovado a lei de Cotas Femininas para cargos legislativos, aplicada pela primeira vez nas eleições de 1993. Similar à norma vigente no Brasil desde o pleito de 2002, a legislação argentina obriga partidos a reservar 30% das vagas nas listas de candidatos para mulheres. Hoje no país vizinho, mulheres ocupam 39% da Câmara de Deputados e 42% do Senado.
“A cabeça da lista”
A paridade nas listas não significa, necessariamente, que mulheres e homens serão eleitos em iguais proporções. O sistema argentino não é nominal, como no Brasil, e a campanha é centrada nas alianças partidárias. No caso do Legislativo, ganha maior visibilidade o primeiro nome da lista de candidatos apresentada por uma aliança, o chamado “cabeça de lista”.
Até o fechamento da reportagem, as listas com pré-candidaturas às eleições legislativas nacionais de 2019 não tinham sido integralmente publicadas pela Câmara Nacional Eleitoral (CNE) da Argentina. De acordo com o que já foi divulgado pela entidade, que integra a Justiça Eleitoral do país, das 164 listas de candidatos à Câmara de Deputados oficializadas e disponíveis para a consulta pública, apenas 20% são lideradas por mulheres.
Estar posicionado nos primeiros lugares da lista é crucial, sobretudo para forças minoritárias e em províncias que elegem menos parlamentares. Em casos assim, tão importante quanto a paridade é que haja mulheres na liderança de listas, já que a distribuição de vagas começa pelos primeiros posicionados na lista de cada aliança. Em províncias que elegem três candidatos para a Câmara, listas encabeçadas por homens mantêm, na prática, a cota de 30% (já que haverá dois homens e uma mulher na composição).
“Em um esquema eleitoral com dois ou três partidos importantes, tudo depende dos primeiros lugares. Logo, em províncias que elegem dez candidatos, uma mulher que ocupa o segundo lugar na lista tem mais chance. Acontece que, na Argentina, mais da metade das províncias elege poucos parlamentares, então é preciso ser prudente e não gerar expectativas”, avalia Maria Ines Tula, cientista política, especialista em eleições, paridade e representatividade, e pesquisadora do Conicet (similar ao CNPq). “A lei é muito importante, porque vai gerar mudanças estruturais a longo prazo, dentro dos partidos. Mas nessa primeira oportunidade, o que estamos fazendo é garantir que a lei seja cumprida.”
Nas eleições gerais de 2017 (que renovaram um terço do Senado e quase metade da Câmara), de um total de 741 candidatos para cargos no Legislativo de todo o país, 326 eram mulheres, ou seja, 44%. No entanto, ao observar somente os nomes que se posicionavam no topo das listas, essa proporção caiu para 28%. Naquele ano, 37% dos deputados eleitos eram mulheres. Até então, regia na Argentina a mesma cota obrigatória do Brasil: elas deveriam representar 30% do total de candidatos em cada partido.
Do voto feminino à paridade
Em outubro de 1983, eleitores foram às urnas depois de sete anos de ditadura na Argentina. Naquele ano, dos 254 parlamentares eleitos por voto direto para a Câmara de Deputados, apenas dez eram mulheres. Por voto indireto, 45 homens e três mulheres chegaram ao Senado.
Passaram-se 32 anos entre a primeira vez que as mulheres argentinas puderam votar, em novembro de 1951, e aquele domingo de outubro de 1983, em que todo o país voltou a eleger seus representantes. Com a lei de voto feminino, promulgada em setembro de 1947, pessoas nascidas ou residentes na Argentina passaram a ter os mesmos direitos políticos: eleger e ser eleitos.
Fonte: Gênero e Número